Com cenografia e direção de arte assinados pelo Estudio Guto Requena e Atelier Marko Brajovic a exposição “Roteiro Musical da Cidade de São Paulo” apresenta 100 anos de história de São Paulo a partir das músicas compostas especialmente para a cidade. São documentos, áudios, discos raros, partituras, fotografias, desenhos, matérias de jornais, entrevistas, depoimentos, letras e canções, entre outros objetos, resultado de mais de 22 anos de pesquisa histórica e musical do curador Assis Ângelo.
O projeto se desenvolve numa narrativa criada pelos arquitetos que prioriza a imersão e a interação dos visitantes com o rico conteúdo – um passeio pela história de uma das maiores cidades do mundo, contada a partir da música. A cenografia buscou princípios do design universal, em que todos os usuários devem ter a mesma experiência espacial, sejam eles altos, baixos, cadeirantes, crianças ou adultos. O ambiente sugere um cabaré antigo, hibridado com uma estética contemporânea e bem brasileira. Vermelhos, vinhos e roxos são a carta de cores escolhida para a exposição, inspirada na instalação “Desvio para o vermelho”, do artista Cildo Meirelles, de 1967. Carpetes, veludos e capitonês somam-se à luz indireta e ao mobiliário clássico, frutos de extensa pesquisa, para compor o clima da Bella Époque. Todo o trajeto inspira-se nos próprios símbolos da cidade de São Paulo, como em seu skyline, calçada típica e postes de luz. A cenografia se desenvolve em torno de 6 espaços principais, no decorrer dos seus 300 metros quadrados.
Túnel
O primeiro espaço é um túnel musical com cerca de 17 metros de comprimento. Um grande neon inspirado nos bares da Rua Augusta, região boêmia da cidade, com setas que piscam, convidam os visitantes à entrar neste espaço e a imergir na exposição. Composto por mais de 2.600 capas de discos históricos, o túnel é uma explosão de pixels-discos que retira o visitante do presente e leva-o a uma viagem no tempo. Nesse ambiente foram dispostas diferentes mídias musicais, num passeio histórico que vai desde o gramofone, rádios, vitrolas, toca cds até chegar ao recente tocador de mp3. Estão dispostos neste túnel mais de 200 discos raros e suas capas, em diversos formatos, desde antigos 76 e 78 RPM’s, a LP’s, compactos simples e duplos. O efeito dos pixels no piso, teto e paredes busca explorar e confundir os sentidos dos visitantes.
Cúpulas das décadas
11 cúpulas organizam o conteúdo histórico de maneira cronológica. Cada cúpula contém a história musical de uma década, a partir dos anos 1910 até a década de 2010. Tais cúpulas interativas podendo subir e descer, possibilitando ao visitante, seja ela alto, baixo ou cadeirante, ficar imerso dentro desta cúpula e ouvir o set list com músicas da década bem como visualizar textos e fotos históricas do mesmo período. Todas as cúpulas podem ser levantadas para o cima, liberando o salão para receber bancos para uma plateia de até 60 pessoas, transformando o espaço expositivo numa grande sala para palestras, workshops e bate-papos.
Bar do futebol
Um típico boteco foi projetado para abrigar os discos e músicas que falam sobre os times de futebol de São Paulo. Duas mesas com cadeiras, piso de calçada típica de São Paulo, poste de rua e lambe lambes instigam o visitante a sentar, escutar as músicas e a vistoriar o cardápio com as capas de discos.
Janelas
Sete janelas interativas, produzidas com corte a laser em MDF e com seus desenhos inspirados em janelas tradicionais brasileiras, ao serem abertas, revelam fotos históricas e tocam as principais músicas de 7 personagens chaves da exposição:
Mario Albanese, Zica Bergami, Inezita Barroso, Adoniran Barbosa, Alberto Marino, Paulo Vanzolini, Tom Zé e uma janela dedicada ao Samba, com Dionísio Vicente Barbosa, Geraldo Filme, Germano Mathias, Osvaldinho da Cuíca, entre outros.
Arena cabaré
Um palco elevado foi projetado para ser a arena de debates com ares de cabaré. Nas paredes muitos quadros com molduras rococós em MDF cortadas a laser abrigam fotos e notícias históricas. TVs de plasma e rádios antigos transmitem vídeos históricos e programas de rádio de época. Nas duas laterais do palco, grandes armários, com um desenho que remete às cristaleiras antigas, abrigam parte do acervo de objetos históricos, como rápidos antigos e notícias de jornais. A luz indireta, a disposição do mobiliário clássico como poltronas, namoradeira, mesas e abajures sugerem um ambiente intimista e ajudam a compor o clima onírico do ambiente. Um convite ao sentar e observar as pessoas interagindo com a exposição.
Mapa interativo
O último espaço da exposição se destaca por trás das grandes cortinas pretas teatrais. Ele guarda no seu interior, estampado no piso, um mapa interativo, que contém bairros e regiões da cidade de São Paulo. Ao andar sobre esse mapa, o visitante aciona uma luz que destaca o bairro que está percorrendo e escuta músicas compostas para aquele bairro. Um grande espelho inclinado reflete para toda exposição os visitantes interagindo com o mapa, transformado em atores aqueles que normalmente são espectadores.
Texto do curador Assis Ângelo:
Resultado de duas décadas de pesquisas, Roteiro Musical da Cidade de São Paulo tem por finalidade mostrar que é possível contar muitas histórias através da música, inclusive de uma cidade.
Milhares de artistas não se cansam de cantar a capital paulista de formas, ritmos e gêneros os mais diversos, como sambas, dobrados, marchas, pagodes, valsas, choros, forrós, baiões, xotes, lambadas, toadas, modinhas, maxixes, tangos, emboladas, corridos, polcas, rancheiras etc.
Loas à cidade onde nasceram a Jovem Guarda, o Tropicalismo, os festivais de música e o QG do baião de Luiz Gonzaga, se acham também nos martelos e redondilhas dos improvisadores do Nordeste como Oliveira de Panelas e Geraldo Amâncio; Zé Francisco, Sebastião Marinho, Andorinha e Palmeirinha, entre muitos. E do Sul, como Gildo de Freitas e Teixeirinha. DJs e MCs que se multiplicam na cidade também não esquecem a temática.
Nas obras em referência, até aqui cerca de três mil, há citações a ruas, avenidas, parques, pontes, estádios de futebol, bairros, praças, camelôs, favelas, metrô, garoa, largos, vilas, museus, heróis, paisagens e rios; trabalho, trabalho, trabalho e hinos e odes para agremiações esportivas como Corinthians, São Paulo e Palmeiras, os mais cantados.
Tudo ou quase tudo da cidade, incluindo sua gente e cotidiano, tem sido citado nas obras musicais desde o século 18.
Artistas como DJ Hum, Thaíde, Mano Brown, Rappin Hood, Emicida, Sabotage, Criolo e Negra Li se juntam na mistura de estilos e gêneros a Cornélio Pires, Adoniran Barbosa, Mário Zan, Geraldo Filme, Germano Mathias, Jarbas Mariz, Marco Mendes, Edvaldo Santana, Costa Senna e Osvaldinho da Cuíca; Ary Barroso, Sílvio Caldas, Nélson Gonçalves, Mário Albanese, Papete, Tom, Hermeto, Gil, Caetano e Vinicius, que uma vez caiu na besteira de dizer que São Paulo é o túmulo do samba.
Na lista de obras dedicadas à cidade chamada de Sampa, Capital Bandeirante, Terra da Garoa e Paulicéia – a mais populosa do planeta depois de Mumbai e Délhi, na Índia; Istambul, na Turquia; e Karachi, no Paquistão -–, aparecem até tragédias, como o incêndio no edifício Andraus e o massacre na Casa de Detenção.
Essa história começa em 1990, quando iniciei a pesquisa que rendeu duas páginas no antigo suplemento cultural D.O. Leitura, do Diário Oficial do Estado de São Paulo.
A base do texto foi uns duzentos títulos musicais, entre os quais o samba ‘Ronda’, de Paulo Vanzolini; o tango ‘Estação da Luz’, de Martins/Nasser; canções do paraense Billy Blanco, como ‘O Céu de São Paulo’ e ‘Grande São Paulo’ e de Tom Zé, ‘São São Paulo, Meu Amor’; além do chorinho ‘Cidadão Paulistano’, de Carlos Poyares; e o blues ‘São Paulo Zero Grau’, de Jorge Melo. Depois disso, achei partituras e notas em periódicos já extintos.
O Correio Paulistano, por exemplo, edição de 6 de agosto de 1862, noticiou a existência de um álbum intitulado ‘Melodias Paulistanas’, formado por 12 peças para canto e piano, do padre Mamede José Gomes da Silva, diretor do Liceu Paulistano e amigo de Antônio Carlos Gomes, autor de um hino aos estudantes de Direito do Largo de São Francisco: ‘À Mocidade Acadêmica’, em parceria com o poeta Bittencourt Sampaio.
Mas antes de Mamede e Carlos Gomes, houve quem louvasse a inspiradora cidade: os religiosos Calixto e Anchieta Arzão, em ‘Missa a São Paulo’, de 1750.
Em 1823, o músico Bento Maurício Arcade compôs ‘Águas do Anhembi’.
Roteiro Musical da Cidade de São Paulo, enfim, é o que o título sugere: um passeio biográfico pela cidade fundada pelos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, em 1554.
A cara musical da cidade talvez se expresse no conjunto Demônios da Garoa, que ao longo do tempo gravou alguns títulos de Adoniran Barbosa que se tornaram clássicos populares, como ‘Samba do Arnesto’ e ‘Trem das Onze’.
Comissionado por: SESC Santana
Organização: SESC - SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman
Gerente Regional: Danilo Santos de Miranda
Superintendente Técnico-social: Joel Naimayer Padula
Superintendente Comunicação Visual: Ivan Giannini
Operação Cultural: Rosana Paulo da Cunha /Deputy: Flávia Carvalho/Assistants: Henrique Rubin, Juliana Braga, Kelly Adriano, Nilva Luz e Sergio Pinto
Projeto e Desenvolvimento: Marta Colabone /Deputy: Andréa Nogueira
Arte Gráfica: Hélcio Magalhães/Deputy: Karina Musumeci
SESC Santana: Lilia Marcia Barra /Deputy: Simone Engbruch Avancini Silva
“Roteiro Musical da Cidade de São Paulo” Exhibition Coordination: Suzana Garcia, Fernando Marineli and Vera Marisa de Souza Rodrigues
SESC Santana Coordenadores: Rovena Verona C. Pigari(Communication), Marcus Vinicius Rocha (Administration), Silvan Oliveira da Silva (Infrastructure) e Célia Tucunduva (Catering)
Conceito e Curadoria: Assis Ângelo e Andrea Lago (Memória Brasil Institute)
Cenografia e Direção Artística: Estudio Guto Requena e Atelier Marko Brajovic
Arquitetos Colaboradores: Vinicius Capella, Alberto Gomez, Henrique Stabile e Paulo de Camargo
Coordenador de Instalação: Carmela Rocha
Identidade Visual e Projeto Gráfico: Estudia Design
Projeto Gráfico Educacional: TG3Comunicação
Audio e Edição de Imagem: Darlan Ferreira
Texto e Pesquisas: Assis Ângelo
Consultor de Instalações Especializadas: Clara Perino
Imagem: Memória Brasil Institute – Assis Ângelo Collection
Pesquisa Musical Contemporâneo: Débora Pill
Assessor Jurídico: Jorge Melo
Instalação: Fábrica de Milagres
Instalação Sonora: Maxiaudio